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6a. literária do Recanto da Filosofia Clínica

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Uma resposta

  1. O Dicionário de Sofrimentos Obscuros
    JOHN KOENIG

    Eu li o dicionário.
    Eu pensei que ele fosse um poema sobre tudo.
    – STEVEN WRIGHT

    Sobre este livro
    O Dicionário de Sofrimentos Obscuros é um compêndio de novas palavras para emoções. Sua missão
    é jogar uma luz sobre a estranheza fundamental de ser um ser humano – todas as dores, demônios,
    vibes, alegrias e anseios que estão murmurando no pano de fundo da vida cotidiana:

    kenopsia: a atmosfera de um lugar que é normalmente lotado de pessoas, mas está agora abandonado
    e quieto.

    dès vu: a consciência de que este momento se tornará uma memória.

    nodus tollens: o sentimento de que o enredo de sua vida já não faz mais sentido para você.

    énouement: a qualidade agridoce de ter chegado aqui no futuro, vendo como as coisas se deram, mas
    sendo incapaz de reconhecer seu eu do passado.

    unicismo: a frustração de estar preso em apenas um corpo que habita apenas um lugar de cada vez.

    sonder: a compreensão de que cada transeunte ocasional é o principal personagem de sua própria
    história, na qual você é apenas um figurante no fundo da cena.

    É tranquilizador descobrir que há uma palavra para algo que você sentiu toda a sua vida, mas não
    sabia que era compartilhado por alguém outro. Isso é até mesmo surpreendentemente empoderador
    – ser lembrado de que você não está sozinho, você não está louco, você é apenas um ser humano
    comum tentando abrir espaço através de um conjunto bizarro de circunstâncias.
    Foi assim que a ideia deste livro nasceu, neste abalo de reconhecimento que você sente
    quando aprende certas palavras para emoções, especialmente em outras línguas que não o inglês2
    :
    hygge, saudade,duende, ubuntu, schadenfreude. Alguns desses termos podem muito bem ser
    intraduzíveis, mas ainda ter o poder de fazer o seu interior sentir-se mais familiar, no mínimo por um
    breve momento. Isso pode fazê-lo pensar o que mais é possível – quais outros bocados de significado
    você poderia ter decifrado da estática se ao menos alguém tivesse ido adiante e dado um nome a eles.
    É claro, nós normalmente não questionamos por que uma língua tem palavra para algumas
    coisas e não para outras. Nós não imaginamos realmente que tenhamos muita escolha nesse assunto,
    porque as palavras que usamos para construir nossas vidas foram, na maioria, transmitidas em casa
    ou coletadas no parque. Elas funcionam como um tipo de programação psicológica que ajuda a moldar
    nossas relações, nossa memória, até mesmo nossa percepção da realidade. Como Wittgenstein
    escreveu: “Os limites de minha linguagem são os limites de meu mundo”.
    Mas aí reside um problema. A linguagem é tão fundamental para nossa percepção que nós
    somos incapazes de perceber as falhas incorporadas na própria linguagem. Seria difícil dizer, por
    exemplo, se nosso vocabulário se tornou tão ultrapassado que já não descreve o mundo em que
    vivemos. Nós poderíamos sentir apenas uma estranha superficialidade em nossas conversações,
    nunca tendo certeza de que estamos sendo entendidos.

    É claro que o dicionário evolui ao longo do tempo. Novas palavras são cunhadas quando
    necessárias, emergindo uma a uma do laboratório de testes de nossas conversações. Mas esse
    processo carrega um certo viés, dando nomes apenas a conceitos que são simples, tangíveis,
    compartilhados e sobre os quais é fácil conversar.

    Emoções não são nada disso. Como resultado, há um ponto cego enorme na linguagem da
    emoção, vastos buracos no léxico que nós sequer sabemos que nos fazem falta. Nós temos milhares
    de palavras par diferentes tipos de pardais e barcos à vela e roupas de baixo históricas, mas apenas
    um vocabulário rudimentar para capturar as sutilezas prazerosas da experiência humana.

    As palavras nunca nos farão justiça. Mas temos de, pelo menos, tentar. Felizmente a paleta
    da linguagem é infinitamente expansível. Se nós desejássemos poderíamos construir uma nova
    estrutura linguística para preencher as lacunas, desta vez enraizados em nossa humanidade em
    comum, nossa vulnerabilidade compartilhada, e nossa complexidade como indivíduos – uma
    perspectiva que simplesmente não estava lá quando a maioria de nossos dicionários foram escritos.

    Nós poderíamos catalogar até mesmo os movimentos mais fracos da condição humana, mesmo coisas
    que foram sentidas apenas por uma pessoa – ainda que a hipótese de trabalho desse livro seja que
    nenhum de nós está verdadeiramente sozinho naquilo que sentimos.
    ______________
    Este não é um livro sobre tristeza4 – não, ao menos, no sentido moderno da palavra. A palavra tristeza
    significava, originalmente, “plenitude”, da mesma raiz latina, satis, que também gerou saciado

    satisfação. Há não muito tempo, estar triste significava que você estava transbordando com certa
    intensidade de experiência. Não era apenas um mal funcionamento da máquina de alegria. Era um
    estado de consciência – estabelecendo o foco no infinito e incluindo tudo, alegria e dor de uma vez
    só. Quando nós falamos de tristeza nos dias de hoje, na maior parte do tempo o que queremos dizer
    é desespero, o que é definido, literalmente, como ausência de esperança. Mas a verdadeira tristeza
    é, na verdade, o oposto, uma ressurgência exuberante que lembra você o quão efêmera e misteriosa
    e indeterminada a vida pode ser. É por isso que você encontrará traços de melancolia ao longo do
    livro, mas poderá perceber-se sentindo-se estranhamente alegre ao terminá-lo. E se você for
    suficientemente afortunado para sentir-se triste, bem, saboreie enquanto durar – ao menos porque
    isso significa que você se importa com algo nesse mundo o suficiente para deixar que se entranhe em
    você.
    ______________
    Este é um dicionário – um poema sobre tudo. Ele é dividido em seis capítulos, com definições
    agrupadas de acordo com temas: o mundo externo, o eu interno, as pessoas que você conhece, as
    pessoas que você não conhece, a passagem do tempo e a busca por significado. As definições não são
    arranjadas em uma ordem específica, o que parece completamente verdadeiro para a vida, dado o
    modo como as emoções tendem a mover-se através de sua mente como o clima.

    Todas as palavras neste dicionário são novas. Algumas foram resgatadas do monte de lixo e
    redefinidas, outras foram completamente inventadas, mas a maioria foi costurada de fragmentos de
    cem línguas diferentes, tanto vivas quanto mortas. Essas palavras não foram necessariamente
    planejadas para serem usadas na conversação, mas para existirem pelo seu próprio benefício. Para
    dar alguma aparência de ordem à selvageria dentro de sua cabeça para que você possa acalmá-la
    conforme a sua vontade, sem sentir-se muito perdido – seguro no conhecimento de que nós estamos
    todos perdidos