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Mudanças biológicas corporais a partir da concepção mental do sujeito

“Se acreditamos que uma verdadeira concepção do mundo mental, por mais objetividade que ela alcance, deve admitir a natureza irredutivelmente subjetiva da mente, ainda nos falta encaixar a mente no mesmo universo em que se encontra esse mundo físico que pode ser descrito de acordo com a concepção física de objetividade. Nossos corpos, e particularmente nosso sistema nervoso central, pertencem a esse mundo físico, assim como os corpos de todos os outros organismos capazes de atividade mental. Temos razão para crer que existe uma ligação muito estreitamente a vida mental e o corpo e que nenhum evento mental pode ocorrer sem que se produza uma mudança física no corpo – no caso dos vertebrados no cérebro – de seu sujeito”. (Thomas NAGEL)

(RESUMO:Este artigo tem por objetivo apresentar de modo objetivo e descritivo, comentários das afirmações e especulações apresentada por NAGEL (2004:43-67) , no capítulo III – Mente e Corpo, visando desenvolver as três afirmações explicitadas no enunciado em epigrafe, centrando as reflexões nas mudanças biológicas corporais a partir da concepção mental do sujeito: 1. a verdadeira concepção do mundo mental; 2. a estreita ligação entre a vida mental e o corpo a partir do sistema nervoso central; e, 3. nenhum evento mental pode ocorrer sem que se produza uma mudança física no corpo – no caso dos vertebrados, no cérebro – de seu sujeito; retomando de modo mais aprofundado os questionamentos levantados por NAGEL sobre a teoria do aspecto dual (concepção de que o cérebro é a sede da consciência) a de que a vida mental ocorre no cérebro, ainda que todas as experiências, sentimentos, pensamentos e desejos não sejam processos físicos do cérebro, envolvendo várias alterações químicas e elétricas, e um aspecto mental – a experiência do sabor do chocolate, como pré-requisito do Módulo III – Mente e Corpo, desenvolvido no período de 01 de janeiro a 29 de fevereiro de 2008, da proposta de Doutorado Institucional em Filosofia do Instituto Packter – Filosofia da Mente, pela Professora Titular Mariluze Ferreira Andrade e Silva; objetivando tematicamente, com as questões dos outros módulos, investigar as contribuições dadas pela biologia e pela neurociência à Filosofia da mente para o entendimento da relação corpo-alma-mente, enfocando a condição humana em situações existenciais de seus mundos possíveis. Proporcionar uma reflexão sobre as colocações de NAGEL, que propõe argumentações do processo mente-corpo, de maneira a observar a relação do ser (subjetivo) e o mundo real possíveis.
Palavras-chaves: Mente-Corpo, Mudanças Biológicas Corporais, Concepção Mental e Sujeito)

Para NAGEL, parece haver dois tipos muito distintos de coisas que acontecem no mundo: as coisas que pertencem à realidade física, que muitas pessoas podem observar de fora, e as coisas que pertencem à realidade mental, que cada um de nós experimenta interna e individualmente. E isso é verdade não somente para os seres humanos: cachorros, gatos, cavalos e pássaros parecem ser conscientes, e é provável que também os peixes, as formigas e os besouros. Quem sabe onde isso acaba?
NAGEL procurou mostrar de maneira mais reflexiva, questionamentos, do que apresentando posicionamentos resolutivos, que mesmo com o avanço da ciência física nos vários aspectos teóricos e dos processos físicos mentais do ser humano no mundo, contextualizado na década de 70, observa-nos, a necessidade da ciência física de pesquisar mais a mente, pois não aborda (va) os processos físicos mentais na relação da mente-corpo-ser humano no mundo e com o mundo.

Verdade, pensamento racional, procedimentos especiais para conhecer, o problema mente-corpo (deixado de lado pelas ciências na década de 70), fatos, aplicação prática de conhecimentos teóricos, correção e acumulo de saberes: esses objetivos e propósitos das ciências não são científicos, são filosóficos e dependem de questões filosóficas. Os cientistas parte delas como questões já respondidas, mas é a filosofia; quem as fomenta e busca respostas para elas.

Assim, o trabalho das ciências pressupõe, como condição, o trabalho da filosofia, mesmo que o cientista não seja filósofo.
Conhecimento é o desvendar, o esclarecimento da realidade. O mundo mental de cada um é diferente e cada pessoa percebe esta realidade de forma diversa. O conhecimento de que trata a filosofia é um retorno reflexivo da elaboração cognitiva sobre si mesma, isto é, o conhecimento passa a ser o seu próprio objeto. Dessa forma, diríamos que o conhecimento é uma análise crítica da linguagem ou simbolismo em que a realidade é expressa. Trata-se de uma posição crítica ponderando o valor e o alcance do próprio conhecimento, o qual o conhecimento cientifico devia ocupar-se quanto aos processos da mente.
“Como modo do ser-homem, o conhecimento humano é uma maneira de existir, uma maneira de ser envolvido no mundo, isto é, o sujeito mesmo” (W. Luipen).

Não é apenas o fato de raciocinar, de ter um sistema nervoso mais complexo, mas, principalmente, o fato de opor o polegar e ser capaz de manipular os objetos que o leva a se perceber como algo separado do mundo, embora inserido nele. Isto conduz a uma série de conseqüências, inclusive ao ato de filosofar.

A investigação filosófica, pois, consiste em tomar como objeto da consciência o próprio ato de consciência das coisas, física-mentalmente, é uma busca do significado imutável das coisas em si (essência). Ela é uma atitude, um ato de reflexão e apreensão, metodicamente controlado.

Na filosofia, pois, aprendemos a analisar os elementos que compõem a existência do ser no mundo, isto porque há em nós uma inquietação existencial congênita. Ao filosofar, avivamos nossa própria luz interior, fazemos um exercício de aproximação e de encontro com o que é buscado. Há, pois, o descobrimento e o diálogo, em busca do conhecimento. Por isso, a filosofia é o conhecimento do conhecimento. Ai está sua diferença com relação à ciência. Enquanto esta trata dos dados experimentais da realidade, a filosofia trata das idéias, conceitos ou representações mentais daquela mesma realidade.

O ser racional é plenamente consciente de seu saber, o que lhe permite utilizá-lo de modo intencional. Ele transcende a natureza e constrói a si próprio. È, pois, um fator determinante daquilo de que participa. È uma existência dialética, porque se relaciona com a natureza e as pessoas, que por sua vez, têm influência sobre ele próprio. E é isto que cabe à Filosofia considerar e compreender, juntamente com a Ciência.

Na Filosofia e com a ciência, aprendemos a analisar os elementos que compõem a existência do ser no mundo, num relacionamento dialético entre a mente corpo mundo, propiciando-lhe um conhecimento, uma consciência crítica-reflexiva.
O homem, com a sua existência-que são a práxis -, tem a capacidade de superar a própria subjetividade e conhecer as coisas como realmente são. Na existência do homem não se reproduz somente a realidade humano-social, reproduz-se espiritualmente também a realidade na sua totalidade. O homem existe na totalidade do mundo, mas a esta totalidade pertence também o homem com a sua faculdade de reproduzir espiritualmente a totalidade do mundo. Os homens agem dentro da situação dada e na ação prática conferem um significado à situação.

Quanto à segunda parte do Módulo II, para o desenvolvimento do meu comentário apresentando opinião crítica sobre a afirmação de NAGEL de que:
a) um processo mental não pode ser analisado em partes menores a exemplo dos processos físicos; e,

b) “Não é possível somar partes físicas para obter um todo mental”, tenho a expor o seguinte:

a) esta afirmação de NAGEL fundamenta-se na teoria do aspecto dual – físico e mental – que procede na (s) experiência (s), por exemplo, morder uma barra de chocolate, o cientista poderá observar o aspecto mental (a experimentar a sensação de saborear o chocolate), num processo mental ocorrido (s) na totalidade, dos vários aspectos particularizados da natureza mental de nossos estados de espírito; consistente na relação desses estados com as coisas que os causam e com as coisas que eles causam. Por exemplo: quando machucamos o dedo e sente dor, a dor é algo que acontece no nosso cérebro.

Parece, portanto, haver dois tipos muitos distintos de coisas que acontecem no mundo: as coisas que pertencem à realidade física, que muitas pessoas podem observar de fora e analisá-lo através do método indutivo (particular para o geral); e, as coisas que pertencem à realidade mental, que cada um de nós experimenta interna e individualmente e analisada através do método dedutivo (geral para o particular), ainda que todas as experiências, sentimentos, pensamentos e desejos não sejam processos físicos do cérebro, mas também uma grande quantidade de atividades química e elétrica, que ocorrem nos processos mentais; cujo estado psíquico reage também prontamente às doenças que afetam outras partes do corpo.

Como qualquer outra parte do corpo, o Sistema Nervoso está sujeito a várias doenças – querem orgânicas, afetando a estrutura nervosa, querem funcionais, atingindo uma parte do corpo ou do encéfalo, mas não alterando aquela estrutura.
Situado no vértice do Sistema Nervoso Central o cérebro, centraliza a atividade fisiológica e a interpretação dos impulsos externos. Do ponto de vista fisiológico, compete-lhe o controle consciente e inconsciente de todas as funções vitais, em relação ao ambiente e a todos os outros órgãos. A rapidez de resposta e, em geral, as características funcionais, dependem da natureza do tecido constituinte, formado por neurônios e células da glia (ou neuroglia). Por sua estrutura especial os primeiros permitem transmitir os impulsos de uma zona para outra do sistema nervoso, por meio de conexões denominadas sinapses. As células da glia, por sua vez, atuam – como suporte e dão proteção aos neurônios.

Portanto, podemos concluir, quanto à questão a) um processo mental não pode ser analisado em partes menores a exemplo dos processos físicos; não podemos concordar totalmente com o posicionamento de NAGEL, pois, percebemos hoje, que com os estudos da Biofilosofia, apresentado pelo farmacologista Philippe Mayer, enfocando questões como o pensamento, a memória e a linguagem, o autor considera a Biologia moderna essencial para meditar as grandes incógnitas da condição humana, numa perspectiva de conhecimentos voltados para o relacionamento das ciências humanas e sociais, com as clínicas neurológicas, psicológicas e filosóficas (Filosofia Clinica), estimulando o diálogo entre as ciências biológicas, exatas e humanas, propiciando elementos, que NAGEL, solicitava da Ciência, na década de 70. Levando-nos a considerar que o processo mental pode ser analisado no conjunto do Sistema Nervoso, num processo particularizado na detecção de sintomas neurológicos.
Quanto à questão: b) “Não é possível somar partes físicas para obter um todo mental”, temos que considerar que nesse posicionamento, NAGEL, limitou-se em suas argumentações, na observação experienciais de saborear o chocolate, onde foi de fato, apenas um processo cerebral. Teríamos de analisar alguma coisa mental – não uma substância física observável externamente, mas uma sensação de sabor interna – em termos das partes físicas. Uma característica essencial desse tipo de análise é que não se trata de uma decomposição química do modo como vemos, sentimos e saboreamos água/chocolate. Essas coisas acontecem na nossa experiência interna, não da água/chocolate que foi decomposta em átomos. A análise física ou química da água /chocolate desconsidera essas experiências. E, por mais complexas e numerosas que sejam as ocorrências físicas no cérebro, elas não poderiam ser as partes que compõem a sensação do gosto.

Creio que há possibilidades, no sentido de diagnosticar sintomas neurológicos, ou doenças psicossomáticas (resultantes da interação da mente-corpo) advindas do mundo externo para o interno, pois o estado psíquico reage prontamente as doenças que afetam outras partes do corpo. Em regras, apenas as partes do corpo que estão sob o controle do Sistema Nervoso involuntário ou autônomo, tais como o trato digestivo, as glândulas endócrinas, o coração, os pulmões, a bexiga e a pele. Exemplo: As úlceras do estômago.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quanto às questões apresentadas neste Módulo II, tenho a considerar que a contribuição de NAGEL, no Capítulo 4. O problema mente-corpo, propiciou elementos para questionamento sobre o processo mente-corpo-ser no mundo, mas faltou procedimentos resolutivos das questões levantadas nas visões dualista, fisicalistas e na teoria do aspecto dual, recursos solicitados por NAGEL as ciências, na década de 70, para uma maior resolução nos processo mentais/físicos.

Para KOSiK, Karel (1976:9) , “a realidade não se apresenta aos homens, à primeira vista, sob o aspecto de um objeto que cumpre intuir, analisar e compreender teoricamente, cujo pólo oposto é complementar seja justamente o abstrato sujeito cognoscente, que existe fora do mundo e aparentado do mundo; apresenta-se como o campo em que se exercita a sua atividade prático-sensível, sobre cujo fundamento surgirá a imediata intuição prática da realidade. No trato prático-utilitário com as coisas – em que a realidade se revela como mundo dos meios, fins, instrumentos, exigências e esforços para satisfazer a estas – o individuo “em situação” cria suas próprias representações das coisas e elabora todo um sistema correlativo de noções que capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade. (…) Todavia, “a existência real” e as formas fenomênicas da realidade – que se reproduzem imediatamente na mente daqueles que realizam uma determinada práxis histórica, como conjunto de representações ou categorias do “pensamento comum” (que apenas por “hábito bárbaro” são consideradas conceitos) – são diferentes e muitas vezes absolutamente contraditórias com a lei do fenômeno, com a estrutura da coisa; e, portanto, com o seu núcleo interno essencial e o seu conceito correspondente. (…) A característica precípua do conhecimento consiste na decomposição do todo. O “conceito” e a “abstração”, em uma concepção dialética, tem o significado de método que decompõe o todo para poder reproduzir espiritualmente a estrutura da coisa, e, portanto, compreender a coisa. A dialética não atinge o pensamento de fora para dentro, nem de imediato, nem tampouco constitui uma de suas qualidade. O conhecimento é que é a própria dialética em uma das suas formas. O homem só conhece a realidade na medida em que ele cria a realidade humana e se comporta antes de tudo como ser prático.”

Nesta perspectiva Isabele Filliozat, na reflexão filosófica Um mundo de projeções, nos coloca: “… o olhar que você repousa sobre as coisas, os acontecimentos e as pessoas determina o significado que elas têm para você e, portanto, determina à realidade. Nós não cessamos de interpretar o mundo em função de nossas experiências anteriores, nossas expectativas, nossos desejos e nossas emoções. O mundo que nós percebemos não é a realidade do mundo, aliás, ela existe além de nós? O mundo que nós percebemos é o reflexo de nossas projeções. (…) Teremos acesso apenas a nossa representação do mundo. Um primeiro filtro entre o mundo real e a nossa representação é a limitação de nossos órgãos sensoriais. (…) Nosso cérebro interpreta automaticamente todos os sinais que recebe. Assim, não estamos mais em contato com a realidade, mas com nossa interpretação da realidade”.

BIBLIOGRAFIA
NAGEL, Thomas. O problema mente-corpo. In: Uma breve introdução a Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. PP. 27-37.

KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Tradução de Célia Neves e Alderico Torísio. 2. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. Cap. I – Dialética da totalidade concreta. O Mundo da Pseudoconcreticidade e a sua destruição . PP. 9-20.

Isabele Filliozat, na reflexão filosófica Um mundo de projeções

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