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Filosofia da mente e as bases biológicas da psicologia: um vínculo necessário nas pesquisas e compreensão do dificil problema do suporte material do espírito humano (corpo e cérebro) na perspectiva edelmaniana

“A prática de ignorar a biologia quando se pensa nos assuntos da mente e no modo como o conhecimento é adquirido, sem fazer referência à biologia, tem uma história. Em grande medida, a filosofia da mente tem prosseguido as suas pesquisas sem se preocupar (a não ser de forma anedótica) com o corpo ou o cérebro”
(EDELMAN, Gerard M.)

(RESUMO: Este artigo tem por objetivo desenvolver de modo sistemático e enfático, o enunciado epigrafado, onde EDELMAN , no capítulo IV – As Bases Biológicas da Psicologia evidencia como sendo necessário ao conhecimento, para se compreender a “matéria” do espírito, dado o caráter único da consciência e a incapacidade do raciocínio para “perscrutar” os seus próprios mecanismos. Procura explicitar aspectos científicos e opiniões próprias da neurociência no limiar do conhecimento de forma como conhecemos, querendo levar o leitor a tomar conhecimento de algumas teses clássicas a respeito do espírito. Descreve-nos uma teoria Biológica (da Psicologia) de forma como conseguimos ser possuidores do espírito, ocupando-se de organização da matéria subjacente ao nosso espírito – os neurônios, as suas ligações e os seus padrões. Questiona-nos sobre: Que significa ter espírito, estar ciente de, estar consciente? Por que havemos de pensar que com a neurociência (estudo do cérebro) irá trazer-nos algo de novo acerca do nosso espírito? Por causa daquilo que já aprendemos: assim como descobrimos a forma como a matéria se organiza em termos de estruturação específica das coisas, devemos conseguir perceber a forma como outras estruturas semelhantes dão origem ao espírito. È disso que EDELMAN trata: estabelecer uma ligação entre aquilo que sabemos a respeito de nosso espírito, e aquilo que começamos a saber a respeito do nosso cérebro. Com o objetivo global de mostrar que é cientificamente possível compreender o espírito, descobrir a maneira como o espírito se relaciona com a matéria, em particular com a forma especifica de organização da matéria que lhe é subjacente. Toma como posição fundamental ao longo do livro que o espírito é um tipo especial de processo que depende de organizações especificas da matéria.
Palavras-chaves: Neurociências, Consciência, Cérebro, suporte material do espírito humano, bases Biológicas, psicologia)

Na Filosofia e com a ciência, aprendemos a analisar os elementos que compõem a existência do ser no mundo, num relacionamento dialético entre a mente-corpo-mundo, propiciando-lhe um conhecimento, uma consciência crítica-reflexiva.
O homem, com a sua existência – que são a práxis -, tem a capacidade de superar a própria subjetividade e conhecer as coisas como realmente são. Na existência do homem não se reproduz somente a realidade humano-social, reproduz-se espiritualmente também a realidade na sua totalidade. O homem existe na totalidade do mundo, mas a esta totalidade pertence também o homem com a sua faculdade de reproduzir espiritualmente a totalidade do mundo. Os homens agem dentro da situação dada e na ação prática conferem um significado à situação.

Na filosofia, pois, aprendemos a analisar os elementos que compõem a existência do ser no mundo, isto porque há em nós uma inquietação existencial congênita. Ao filosofar, avivamos nossa própria luz interior, fazemos um exercício de aproximação e de encontro com o que é buscado.

Para NAGEL , a pessoa esta contida no mundo, e nenhuma delas é seu centro ou ponto focal. Assim, sou ao mesmo tempo o foco lógico de uma concepção objetiva do mundo e um ser particular nesse mundo que não ocupa qualquer posição central, explicando como o pensamento “eu sou eu(pessoa), pode ter um conteúdo não trivial e, de fato, quase tão notável quanto parece de inicio, mesmo não traduzindo o pensamento em um acerca do mundo concebido objetivamente, ele identifica um fato objetivo que corresponde ao pensamento e explica como este pode ter um conteúdo interessante o bastante para dar conta de seu “saber filosófico”, já que a concepção objetiva tem um sujeito, a possibilidade que ele esteja presente no mundo existente, e é o que permite NAGEL e nós , unir as visões objetivas e subjetivas , onde o “eu” deve ser a referência em virtude de algo maior cuja inclusão no mundo não é óbvia, e o eu objetivo qualifica-se para esse papel.

“Nosso cérebro interpreta automaticamente todos os sinais que recebe. Assim, não estamos mais em contato com a realidade, mas com nossa interpretação da realidade” (Isabele Filiozat, na reflexão filosófica Um mundo de projeções)

Gerald M. EDELMAN, um dos neurobiólogos mais eminentes, leva-nos para reflexões que percorrem tópicos fundamentais como a evolução, os computadores, Descartes, Schrödinger, e a natureza da percepção, da linguagem e da individualidade, assim como a apresentação do conjunto de mecanismos que constituem o espírito humano. Prioriza em sua tese, de que a Biologia possui a chave para compreender o cérebro e na perspectiva evolucionista de que o espírito surge numa determinada altura da história. Aborda o difícil problema do suporte material do espírito humano, percorrendo, para esse efeito, a psicologia, a física, a medicina, a filosofia e mesmo outras áreas do saber. Parte de reflexões da doutrina dualista de Descartes – o espírito-matéria -, o espírito como uma substância especial, sem localização no espaço, e não uma coisa com principio e fim como acontece com a matéria, para questionar quanto ao pouco tempo que os cientistas evitaram o assunto: Que significa ter espírito, estar ciente de, estar consciente? Trata-se, pois com a entrada em cena da neurociência, começarmos a acumular conhecimentos científicos a respeito do cérebro. A neurologia traz novas maneiras de entender os mistérios da consciência.

A MATÉRIA DO ESPÍRITO

Para EDELMAN, dado o caráter único da consciência e a incapacidade do raciocínio para “perscrutar” os seus próprios mecanismos, não surpreende que alguns filósofos tivessem proposto a idéia de uma substância pensante, ou até de uma espécie de pampsiquismo, no qual toda a matéria partilha da consciência. Os resultados das investigações modernas sugerem, no entanto, que a matéria física que serve de suporte ao espírito não é de maneira nenhuma especial. Pelo contrário, é absolutamente comum – ou seja, é constituída por elementos químicos como o carbono, o hidrogênio, o oxigênio, o azoto, o enxofre e o fósforo, juntamente com vestígios de metais. Desta forma, não existe nada na composição essencial do cérebro que possa dar-nos uma pista em relação à natureza das propriedades mentais. Aquilo que ele tem de especial é a forma como está organizado. Dentre cerca de 200 tipos básicos diferentes de células ele constitui o organismo tão complexo como é o ser humano, um dos mais especializados e exóticos é a célula nervosa ou neurônios, que é pouco comum em três aspectos: a sua forma variada, as suas funções químicas e elétricas e a sua conectividade, ou seja, a forma como estabelece ligações com os outros neurônios para formar redes.

Procurando expor alguns pormenores descritivos, antes, porém, propondo-se dar aos leitores uma idéia do número de neurônios que existem em determinadas áreas cerebrais, bem como do número de ligações que eles estabelecem entre si, EDELMAN, passa a descrever um pouco da sua morfologia cerebral (com cerca de dez bilhões de neurônios). Começando pela porção do cérebro chamado Córtex, uma estrutura fundamental para aquelas que são genericamente designadas como as funções cerebrais superiores – linguagem, raciocínio, padrões complexos de movimento, música. Existindo ainda outras células chamadas gliz, que têm funções de suporte. Cada célula nervosa recebe ligações de outras células nervosas, em locais chamadas sinapses (com cerca de um milhão de bilhões de ligações na camada cortical. Para Edelman, esses números de neurônios e ligações, são os primeiros indícios em relação àquilo que torna o cérebro tão especial ao ponto de esperarmos, com razão que ele possa dar origem às propriedades mentais, cujas características mais notáveis, ainda são a forma como as células cerebrais se organizam em padrões funcionais.

Embora estejamos ainda no inicio da discussão, possuímos já uma série de dados a respeito da matéria de que é feito o espírito. As células nervosas são especializadas, inúmerosas e possuem uma grande densidade de ligações que, por sua vez, tem características químicas e morfológicas especiais. A anatomia que resulta desta organização é uma complexidade e diversidade extraordinárias. Possui também, no entanto, alguns princípios gerais de organização: é constituída por camadas que contém mapas topográficos e por núcleos arredondados ou “ampolas”. Envia fibras múltiplas que estabelecem a ligação dos mapas com as camadas sensoriais e, exteriormente, com os músculos. E os mapas formam entre si outros mapas. Como conseqüência da estimulação de elementos sensoriais, nas membranas dos neurônios ocorre sinais nervosos sob a forma de descargas elétricas. Estas são provocadas pelos fluxos de íons. Números astronômicos de neurônios atuam paralelamente, numa quantidade espantosa de combinações.

Estas sensibilizadas a estimulação pode ser alterada por uma série de substâncias químicas diferentes, incluindo os neurotransmissores nas sinapses, outras substâncias chamadas de neuromoduladores e, evidentemente, pela ação dos fármacos. Nos neurônios, os códigos de lugar e de tempo estão provavelmente relacionados com a freqüência, o espaçamento ou com o tipo de atividade elétrica dos neurônios ou com o tipo de transmissores químicos aos quais estão associados.

Além disso, a matéria de que é feito o espírito interage consigo própria a todo o momento. EDELMAN, embora reconhecendo que a matéria maravilhosa que serve de substrato ao espírito é inigualável, devemos precaver contra um chauvinismo superficial. Uma posição deste tipo levaria a concluir que apenas as substâncias químicas de que o cérebro é constituído podem levar a semelhante estrutura. Ainda que isso seja em certa medida exato, são a organização dinâmica dessas substâncias que conde vem os processos mentais e não a sua composição material, embora ela seja essencial: trata-se de uma morfologia dinâmica de cima a baixo. Com os panos de fundo levantados por EDELMAN, e alguns conhecimentos neurocientíficos na mão, podemos agora voltar-nos para assuntos biológicos mais gerais. È importante analisá-los se quisermo evitar as armadilhas presentes no caminho que nos conduz a uma melhor compreensão da matéria do espírito. Uma das tentações de ter em espírito é a de tentar usá-lo, só a ele, para resolver o mistério de sua própria natureza. No entanto, este método não serve para explorar a matéria do espírito.

Desde que Darwin sugeriu que do espírito era o resultado de uma evolução, entramos na posse de um conhecimento vasto da forma como a nossa mente funciona. Isto significa que ela nem sempre esteve presente, apareceu em alguma época definida por intermédio de uma série de etapas sucessivas. Significa ainda que temos de prestar atenção à forma animal, porque a evolução ensina-nos que no próprio cerne do problema se encontra a seleção de animais preparados para levar a cabo funções que aumentam a sua aptidão.

No “cérebro da matéria”, encontra-se a estrutura mais complicada do universo conhecido. A sua compreensão levar-nos-á da filosofia e à embriologia, num salto curioso, mas necessário. Depois de o termos dado ficaremos em posição de regressar à filosofia pelo caminho da biologia, nas duas partes que se seguem.

AS BASES BIOLOGICAS DA PSICOLOGIA

EDELMAN julga tornar-se delicado, a necessidade de envidar esforços para explicar acontecimentos mentais, que tem acontecido ao longo de grande parte da história da Psicologia e da Filosofia da Mente, porque o pensamento é um processo reflexivo e recursivo: é por isso tentador pensar que a natureza do pensamento pode ser descoberta apenas pensando. Impõe-se, portanto, explicar o modo como a incarnação (apesar de a não ser a única razão por fazermos), se realiza, em cada individuo, tendo de nos debruçar sobre a biologia, verificando que sobre o espírito; a principal diferença entre objetos intencionais e não intencionais, é que os primeiros são entidades biológicas. Fazendo-nos verificar,igualmente, a importância dos fatos da evolução, que sugerem que a intencionalidade só muito tarde emergiu. Qual é o fundamento do espírito e em que altura da evolução é que surgiu? A resposta imediata é que o espírito surgiu quando os animais desenvolveram um sistema nervoso. No entanto, isso não é inteiramente correto; a posse pura e simples de células nervosas, não para ser suficiente para EDELMAN, que pretende neste cap. 4, debruçar sobre esta questão das origens, tendo como objetivo demonstrar que a condição mínima para a existência do espírito é um tipo especifico de morfologia, de modo a analisar as formas mais gerais a ligação entre a Psicologia e a Biologia, falando em parte por considerar que os filósofos foram induzidos em erro ao avançarem à margem da biologia.

Em seguida, EDELMAN, mostra, até que ponto uma visão demasiado estreita da Psicologia pode também ser enganadora, sem contudo, afirmar que as pesquisas da filosofia e da psicologia, à margem da biologia, tenham sido inúteis, visto muitas vezes, terem de ser prosseguidas na ausência de dados biológicos fundamentais. Por isso, para EDELMAN, o capitulo 4 – As bases psicológicas da Psicologia, pode ser encarado como um interlúdio histórico, superficial e breve mas, esperando, ser revelador da rica meada de idéias que tem enriquecido a questão da mente. Para EDELMAN “a prática de ignorar a biologia quando se pensa nos assuntos da mente e no modo como o conhecimento é adquirido, sem fazer referência à biologia, tem uma história distinta. Em grande medida, a filosofia da mente tem prosseguido as suas pesquisas sem se preocupar (a não ser de forma anedótica (histórica) com o corpo ou o cérebro”.

Partindo das reflexões da doutrina do racionalismo dualista de Descartes – o espírito e matéria -, como uma substância especial, sem localização no espaço e não uma coisa com principio e fim como acontecia a matéria, o biólogo Gerald Edelman, expõe que a conclusão de Descartes de que existia uma substância pensante, afastava-se radicalmente da biologia, assim como da restante ordem material das coisas. Se pensarmos nas suas notáveis incursões na biologia, isto é surpreendente. No entanto, um assunto que Descartes não analisou explicitamente foi que para estar consciente e ser capaz de conduzir o seu pensamento filosófico, ele precisava ter uma linguagem e explicitar quando é que um ser humano tem, pela primeira vez no seu desenvolvimento, acesso a uma substância pensante.

Portanto, as respostas filosóficas às questões postas pelo racionalismo cartesiano, como as formuladas pelos empiristas ingleses John Locke, George Berkeley e David Hume, não são muito melhores. A noção de Locke, que descreve a mente como uma tabua rasa, foi explorada antes de existirem conhecimentos de evolução e desenvolvimento que indicassem que repertórios comportamentais inteiros podem estar sob controle genético. O idealismo monístico de Berkeley – sugerindo que porquanto todo conhecimento se obtém através dos sentidos, o mundo inteiro é de teor mental – desmorona-se perante os fatos da evolução. Seria na verdade muito estranho termos criado mentalmente um determinado ambiente que depois nos sujeitasse (mentalmente) à seleção natural.

Continuando, EDELMAN, considera que uma vez que todo o conhecimento se baseia em impressões dos sentidos, Hume o mais implacável e cético dos empiristas, concluiu que não existia conhecimento certo. O próprio conhecimento cientifico foi abalado pela sua análise da causa e do efeito como uma mera correlação mental baseada na repetição dessas impressões dos sentidos, que não estão em causa; a biologia do espírito envolve muito mais coisas. Porém Immanuel Kant, que possuía mais conhecimento sobre física e astronomia do que sobre biologia, colocou a questão numa perspectiva mais alargada. Respondeu a Hume salientando a existência de categorias a priori no espírito, admitindo assim a sua coexistência com a experiência sensível. Kant ignorava, como é óbvio, os modernos avanços da biologia e da física, devendo por isso ser desculpado por não compreender os limites do a priori.

Com esses exemplos, EDELMAN, quis mostrar que em filosofia é importante ter um conhecimento da psicologia baseado na experiência e alguma compreensão da neurologia e da evolução; que possam fornecer proteção contra erros extremos. A própria psicologia, para Edelman, não tem sido muito feliz na ausência de conhecimentos sobre o cérebro e o sistema nervoso, considerando uma tenha acumulado uma enorme quantidade de informação útil e importante desde que Wiliam James, em 1878, e Wilhelm Wundt, em 1879, em Harvard e em Lepzigi, respectivamente, fundaram os primeiros laboratórios experimentais de Psicofisiologia. No entanto, depois disso, em lugar de uma teoria unificada do espírito, surgiu uma série de escolas, cada uma com uma visão diferente do comportamento, da consciência, e do significado relativo a atribuir à percepção, à memória, à linguagem e ao raciocínio.

EDELMAN, menciona-nos algumas das linhas de raciocínio fundamentais das Escolas, apensa para sublinhar a necessidade de um denominador comum biológico, como o próprio Willian James, que no seu livro Principles of Psychology ele argumenta que a Psicologia, embora prestando atenção ao cérebro: pode avançar sozinha investigando as funções mentais através da combinação que se mostre mais frutuosa entre a introspecção; a experimentalização e a psicofísica (apresentada também por Wilhelm Wundt, Ewald Hering e pelo grande físico Hermann Von Helnholtz, na mesma época, na Alemanha): consistia na medição cuidadosa dos tempos de reação e aos juízos, em respostas a estímulos físicos rigorosamente medidos, dentre as excessivas tentativas para usar a introspecção, na época, com o objetivo de obter conclusões acerca do espírito, com resultados freqüentemente duvidosos (como no caso de Edward Titchener que considerava a introspecção experimental como “a única porta de entrada para a Psicologia”, tendo elaborado grandes teorias da sensação e do sentimento. Com base neste método). De forma semelhante, os estudos sobre a memória humana (por exemplo, de Hermann Ebsinghaus) usavam seqüências e silabas abstratas ou absurdas, dando pouca ou nenhuma atenção ao papel do significado na memória.

Com as experiências de Ivan Pavlov; no inicio do século XX, sobre o reflexo condicionado constituíram uma forte reação a este tipo de abordagens do problema. Nos Estados Unidos, Edward Thorndike e Clark Leonard Hull alargaram e aprofundaram o estudo dos paradigmas estímulo-resposta. Na seqüência deste estudo, surgiu então a posição extrema de que a única investigação cientifica possível em Psicologia era o estudo do comportamento. O behaviorismo, conforme exposto por John Watson, deixava de fora a consciência, as referências introspectivas e coisas semelhantes. Até aos nossos dias, o mais feroz advogado deste ponto de vista foi B.F.Skinner, que explorou exaustivamente o fenômeno do condicionamento operativo (recompensa durante um comportamento ou operação particular, reforçado depois através da repetição da recompensa). Usando técnicas behavioristas, foram analisadas muitas cadeias sofisticadas de comportamento, em incluir os fenômenos de Gestalt; descobertos por Max Wertheimer, Wolfgang köhler e Kurt Koffka. Os padrões de Gestalt eram percebidos pelos sujeitos pensantes de uma forma que o behaviorismo dificilmente explicava. A consciência recusava-se pura e simplesmente a retirar-se. As observações de Sigmund Freud, que também, registrou os efeitos da repressão sobre a memória e do inconsciente sobre o comportamento. Consciente, mostravam as deficiências da descrição behaviorista. As experiências de Sir Frederic Bartlett sobre a memória humana mostraram que esta envolvia algo mais do que repetir de cor filas de caracteres sem sentido, como o trabalho anterior de Ebbinghaus parecia fazer crer. A biologia e a natureza humana reclamavam vivamente aquilo que tinha sido ignorado pelo behaviorismo.

Um aspecto importante da natureza e comportamento humanos que precisava de ser esclarecido, foi descoberto pela medicina clinica (dos mapas cerebrais no século XIX, por Gustav Fritsch e Julius Hitzig, que observaram determinados movimentos corporais em doentes, após a estimulação elétrica de partes dos seus cérebros, assim como a descoberta de Paul Broca de que umalesão numa porção localizada do hemisfério cerebral esquerdo provocaria afasia motora (incapacidade de produzir um discurso coerente), não podiam ser mais ignoradas. Rapidamente se desenvolveram escolas de neurofisiologia até que, no virar do século, os cientistas estavam já a caminho de poderem medir efetivamente a atividade neuronal. Por exemplo, as inovações técnicas desenvolvidas por Sir Charles Sherrington tornou possível detectar, tanto a atividade individual como a atividade coletiva das células nervosas, entre as duas guerras mundiais.

Desta forma, o quadro geral da Psicologia era variado: behaviorismo, psicologia da forma (Gestalt), psicofísica e estudos sobre a memória, na Psicologia normal; estudos sobre neuroses na análise freudiana; estudos clínicos de lesões cerebrais e deficiências sensitivas, classificação das psicoses com os seus sintomas intrigantes na medicina, em conhecimento crescente, crer da neuro-anatomia quer do comportamento elétrico das células nervosas na fisiologia: o primeiro revelado pelo trabalho neuro-anatômico de Santiago Ramón Y Cajal; o segundo pelo trabalho fisiológico seminal de Sherrington. Só ocasionalmente investigadores como Karl Lashley e Donald Hebb fizeram esforços sérios para unir estas áreas dispares de uma forma generalizada.

O que é curioso em relação a estes avanços é a sua independência relativamente à teoria da evolução (exposta por Darwin, em 1859), uma teoria absolutamente fundamental para a compreensão da matéria do espírito. O efeito provocado pelo desenvolvimento sobre o comportamento foi reconhecido por C. W. Mills e J. M. Baldwin, mas as suas intuições, que contribuíram para os fundamentos do nosso ponto de vista atual, não chegaram a penetrar na corrente dominante. Posteriormente, as pesquisas de Jean Piaget sobre o desenvolvimento do comportamento cognitivo nas crianças, formaram os alicerces dos estudos modernos sobre a influência cognição no desenvolvimento.

Se evidência, no outro extremo, para explicar o comportamento em termos da Psicologia Social, teorização desde Herbert Spencer, outro contemporâneo de Darwin. Estes esforços têm-se geralmente mantido a um nível descritivo e têm invocado traços culturais e a “psicologia popular” – a avaliação que o senso comum faz do comportamento humano. As controvérsias e as especulações acerca da natureza e da alimentação, da genética e do meio, têm abundado. Porém, esse conjunto muito rico de estudos dispersos não se presta facilmente à síntese, mas à medida que se foram desenvolvendo os modernos métodos de avaliação da função cerebral, que resultaram numa melhor compreensão da bioquímica do cérebro, foi-se tornando cada vez mais evidente que a psicologia não podia avançar sem se basear cada vez mais na biologia. Na melhor das hipóteses, podia apenas avançar provisoriamente (como sempre fez), enquanto aguardava uma interpretação biológica.

Essa conclusão leva-nos a outra conclusão mais fundamental ainda: os fenômenos da Psicologia dependem da espécie em que são observados, e as propriedades das espécies estão dependentes da seleção natural. Este ponto de vista, partilhado por etólogos (estudam os hábitos dos animais e de Sua adaptação ao meio ambiente) como Nikolaas Tinbergen e Konrad Lorenz e também pelos psicólogos mais modernos, aproxima inexoravelmente a psicologia da biologia. Esta aproximação demonstra a importância do caráter evolutivo da origens para o comportamento das espécies.

EDELMAN, conclui que, assim também, ao analisarmos o nosso espírito temos de ter em consideração quer o nosso parentesco quer as nossas diferenças relativamente às outras espécies. Uma dessas diferenças é que cada um de nós possui uma “alma” individual baseada na linguagem. No entanto, seja o que for que venhamos a descobrir a respeito das propriedades da linguagem, a triste realidade é que nem a psicologia nem a biologia permitirão a transmigração das almas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora as idéias dos filósofos e das diferentes escolas da psicologia devam ser tomadas em consideração em qualquer análise da matéria do espírito, essas idéias só recentemente se confrontaram com as questões-chave da própria biologia. A mensagem pode resumir-se ao seguinte: a base fundamental para todo o comportamento e para a emergência do espírito é a morfologia animal e da espécie (anatomia) e a maneira como ela funciona. A seleção natural age sobre os indivíduos enquanto eles competem entre si e com outras espécies. Ao estudar os registros paleontológicos, descobre-se que aquilo a que chamamos mente só emergiu em determinados períodos da evolução (aliás bastante tardia). A história conhecida da filosofia da mente e da psicologia, leva-nos a considerar como pouco provável que o constante evitamento das implicações biológicas de um programa de investigação que faça a ligação entre a psicologia e a biologia, dando conta da incarnação, venha a aumentar a nossa compreensão de modo como emergiu e funciona o espírito. Enquanto a psicologia avançar sem ligações fortes à biologia, os erros continuarão a surgir, segundo Edelman, discutindo alguns deles no Posfácio, que consiste em mostrar como é que o espírito e inscreve corporalmente; que o cérebro é um computador, que temos uma espécie de máquina de linguagem incorporada na nossa cabeça.

O núcleo de qualquer ligação entre a psicologia e a biologia repousa, claro está, nos fatos da evolução. Foi Darwin quem primeiro reconheceu que a seleção natural devia poder explicar inclusive a emergência da consciência humana.
O objetivo de Edelman é afastar a noção de que o espírito pode ser compreendido sem a biologia, como extensões de posições tomadas no corpo do livro, destinadas não só aos especialistas, mas também aos curiosos que desejam saber mais. A síntese de seus argumentos, descritos, é que os fatos da biologia obrigam-nos a concluir que o espírito não é transcendente. Não existe qualquer ponto de vista divino sobre o mundo. O essencialismo é insustentável, e o mesmo acontece com o funcionalismo, o objetivismo, ou a forma de “realismo computacional” que considera que o espírito é uma máquina. A variação nas estruturas e funções do sistema nervoso e a forma como o cérebro desenvolve à sua conectividade anatômica através de dependência relativamente às correlações estabelecidas com os acontecimentos do mundo real, são ambas incompatíveis com o ponto de vista funcionalista. Os círculos viciosos desenhados na paisagem cognitiva são quebrados pelas provas subjacentes à análise anterior. Porém, não é suficiente dizer que o espírito está incarnado, para explicar o significado e a memória. A pergunta que se põe é: Como? E de que forma, depois de explicar como, é que esta explicação pode fazer compreender o desenvolvimento do eu e da consciência? Temos que incorporar a biologia nas nossas teorias do conhecimento e da linguagem. Para conseguir isso, temos de desenvolver aquilo a que Edelman chama uma epistemologia biologicamente fundamentada – uma explicação do modo como conhecemos e somos conscientes, à luz dos fatos da evolução e da biologia do desenvolvimento.

Aquilo que os cérebros têm de especial que nem os computadores, nem as partículas das matérias, nem os átomos, nem o res cogitans, nem os espíritos possuem é a morfologia evolutiva, interagindo a vários níveis; desde os átomos até os músculos. A complexidade e o número das ligações cerebrais são extraordinários. No “cérebro da matéria”, encontra-se a estrutura mais complicada do universo conhecido. A sua compreensão levar-nos-á da filosofia e à embriologia, num salto curioso, mas necessário.

Segundo DALLARI (2008: 49 e 50) , ao qual concordo, a proposta que Gerald Edelman, Prêmio Nobel de Medicina em 1972, expõe no livro Second Nature, publicado em 2006, é que o funcionamento do cérebro humano está em aberto desde o nascimento da criança, e não opera segundo um roteiro predefinido. Para ele, o cérebro é um ambiente de “disputas” entre percursos sinápticos possíveis, que levariam a uma seleção preferencial de certos circuitos e conexões. Essa seleção será pautada por estímulos vindos do próprio corpo do qual o cérebro está inserido. Por sua vez, em larga medida; os estímulos do corpo viriam do mundo no qual ele habita. A capacidade de adaptação humana em face da natureza seria, para Edelman, um componente dispensável na formação de sua consciência. O maior mérito do modelo de Edelman é a sua plasticidade e o fato de ele provar um caminho para explicar a singularidade dos indivíduos, conciliando a fundamentação biológica com uma concepção antideterminista da natureza humana. Edelman recusa a noção da consciência como um efeito colateral da atividade cerebral, tal como é caracterizada tipicamente por biólogos reducionistas. Ele atribui um papel –central à consciência, caracterizando-a como uma entidade autônoma, em larga medida. Porém, Edelman falha em apontar como ela é gerada. A consciência aparece no seu modelo com um dado sem origem nem explicação, sem que seu aparecimento e sua relação com os dispositivos descritivos sejam explicado. O que levou Steven Rose, um biólogo britânico critico as suas teorias, a perguntar: “Apareceu, de repente, um fantasma cartesiano no mecanismo cerebral?”. Esse “lapso” compromete definitivamente o alcance da proposta de Edelman. Falta ao seu modelo caracterizar os mecanismos de formação da consciência pautados na linguagem e na sociabilidade, que advém da interação externa do individuo e não da interação interna dos neurônios. A caracterização desse aspecto da formação da consciência pode tornar secundários ou irrelevantes todos os mecanismos biológicos subjacentes a ela, conforme for configurada. Não há escapatória: ou bem se postula que toda espécie de conteúdo da consciência tem uma origem biológica ou bem se estabelece um mecanismo pelo qual eventos não biológicos se relacionam com a estrutura biológica e são administrados por ela. Edelman não faz nem uma coisa nem outra, o que deixa uma séria pendência explicativa no seu modelo. Ele pode ter uma caracterização pertinente do funcionamento cerebral, mas não dá conta de elucidar a produção da consciência. O problema da Formulação de Edelman é mais a incompletude do que erro. Como serão preenchidos os vazios que ele deixa, a respeito dos vínculos entre o funcionamento do cérebro e elementos da consciência? Com mais biologia ou com uma entrada pura nos aspectos sociais e psicológicos da produção de sentido? Como é a interface que liga o substrato biológico provido pelo organismo humano como os eventos que tipificamos como inequívoca e exclusivamente humanos – a cultura, a psicologia, a moral etc.?

Segundo seus críticos, sem responder a estas questões, Edelman não pode pretender ter um modelo explicativo da consciência humana. Assim, seu modelo pode ser considerado um passo adiante, mas que, na melhor das hipóteses, fornece a base, mas não a explicação da consciência humana.

BIBLIOGRAFIA
EDELMAN, Gerald. M. Biologia da consciência: as raízes do pensamento. Lisboa: Instituo Piaget, 1992. Cap. 4. As bases Biológicas da Psicologia. P. 57-68.
NAGEL, Thomas. O eu objetivo. In: Visão a partir de lugar nenhum. Tradução de Silvana Vieira. São Paulo: Martins Fontes. 2004.Cap. IV, P.87-108
DALLARI, Bruno B. A. Professor de Lingüística na PUC-SP. In: Carta na Escola p. 47. O corpo humano e sua consciência: Neurociência. A consciência humana é só uma emanação do nosso corpo ou ela tem uma existência própria? Eis a questão

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