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Como o cérebro visual pode interferir nas condições humanas

Reinaldo Moschini

“A Biofilosofia consiste simplesmente em considerar a biologia moderna para meditar sobre as grandes incógnitas da condição humana” (Philippe Meyer)

(RESUMO:
Este artigo tem por objetivo apresentar de modo objetivo a questão do Módulo I-COMO O CÉREBRO VISUAL PODE INTERFERIR NAS CONDIÇÔES HUMANAS ?, desenvolvido no período de 01 de setembro de 2007 a 30 de outubro de 2007, proposta para a segunda versão do Programa do Doutorado Institucional do Instituto Packter sobre Filosofia da Mente, pela Profª Titular Mariluze Ferreira Andrade e Silva, objetivando tematicamente, com as questões dos outros módulos, investigar as contribuições dadas pela biologia e pela neurociência à Filosofia da mente para o entendimento da relação corpo-alma-mente, enfocando a condição humana em situações existenciais de seus mundos possíveis.
Palavras-chaves: Cérebro visual, Biofilosofia da percepção visual, condições humanas)

Ao se deter especificamente sobre a capacidade de olhar o mundo, o farmacologista Philippe Meyer, professor de Filosofia e História das Ciências na Faculdade de Medicina Necker, em Paris, propõe elos entre a física e a psicologia, oferece-nos uma leitura desafiadora para neurobiólogos e filósofos.

Ao enfocar questões como o pensamento, a memória e a linguagem, o autor considera a biologia moderna essencial para meditar sobre as grandes incógnitas da condição humana. Expressa então o seu desejo de difusão dos estudos de biofilosofia, moderna área de conhecimento voltada para o relacionamento das ciências humanas e sociais, com as clínicas neurológicas, psicológicas e filosóficas (Filosofia Clínica), estimulando o diálogo entre as ciências biológicas, exatas e humanas. Nessa perspectiva, tópicos como a relação entre o cérebro e a matéria, a fenomenologia da percepção das cores, os elos entre a visão inconsciente e subconsciente e a fenotipia da percepção sensível são objeto de reflexão, sempre numa óptica em que o raciocínio filosófico e materialidade físico-química da linguagem neuronal caminham lado a lado, tanto no processo de análise/pesquisa, na intervenção do cérebro visual nas condições humanas, como no posicionamento do individuo na interpretação de seu contexto histórico-cultural.

Portanto, o autor propõe a biofilosofia como o caminho para que a biologia moderna reflita sobre as grandes questões da condição humana, entre elas a capacidade do conhecimento daquilo que chamamos de realidade – cuja varias maneiras de como enxergá-la (o) (o mundo que nos cerca), o objeto em si mesmo e aquilo que nós vemos, existe uma imensa distância, motivada pela complexidade dos níveis neuronais e moleculares, o cérebro visual, que procede interferências nas condições humanas, em parte conhecidas pela psicofisiologia e pela neurobiologia, e também por variações psicológicas e filosóficas, que propiciam reflexões sobre os resultados dessas pesquisas desenvolvidas pela Biologia moderna e a neurociência apontada, na obra citada, que é possível compreender que as representações dos mundos possíveis de uma pessoa, dependem, em parte pelo cérebro visual; diante a complexidade do objeto, ilustrado pelo cérebro humano (particularmente pelo cérebro visual), cujo mecanismo pode achar-se além das capacidades máximas de apreensão, diversificada, que a imagem mental dos objetos que nos cercam seja a mesma para todos os homens e que uma visão objetiva do universo tenha um sentido; e, que o cérebro dos homens imponha à realidade conceitos que não tenham nenhuma relação com ela. Fortalece-se, assim, pela diversidade do vivente, cujo polimorfismo (não haja dois tecidos orgânicos que sejam estritamente idênticos), que é particularmente desenvolvido no nível do sistema nervoso exposto a uma variabilidade genética – como todo tecido vivo – à qual se soma uma forte flutuação das influências ambientais. Podendo-se concluir, que nenhum cérebro pode pensar como outro, que nenhum indivíduo vê como outro. É, com efeito, a unicidade de cada pensamento humano que faz acreditar em sua responsabilidade, portanto em sua liberdade.

A organização do cérebro visual sugere inicialmente uma dupla essência: por um lado, estabilidade e relativa uniformidade, já que os desempenhos cerebrais são atributos de espécie, por outro, subjetividade e versatilidade; isso em razão das flutuações fenotípicas ( ou seja, individuais, que nascem ao mesmo tempo de diferenças superficiais do programa genético comum e de influências adquiridas, ligadas ao meio e à aprendizagem. A geografia geral do cérebro visual segue uma ordem interna inata, mas as forças externas, eminentemente variáveis de individuo para indivíduo, podem confrontar-se com a homogeneidade de um programa de espécie.

O cérebro faz mais do que apenas registrar passivamente as mudanças da natureza física. Ele cria um universo colorido imóvel, ou pouco móvel, em razão da sensação recebida inicialmente. Ele gera à sua maneira os matizes das cores do meio ambiente e participa ativamente da criação do mundo que os homens contemplam. O mecanismo de uma operação mental que impõe a sua escolha a fenômenos físicos versáteis ainda é totalmente desconhecido.

As interferências do cérebro visual, nas condições humanas poder-se-ão proceder como um (a):

a) Análise das provas de materialidade cerebral, fornecidas pela descoberta das localizações cerebrais, ou seja, de uma topografia funcional, pela evidenciação dos mecanismos físico-químicos da atividade nervosa e das variações concomitantes do fluxo sanguíneo regional, que elabora o conjunto de atividades do cérebro, desde seu controle sobre a vida visceral, como também nas mais nobres funções, que são a consciência, o pensamento, a emoção e a percepção (fenômeno aberto, individual e aleatório, uniciva), de um fato ou de um acontecimento do meio ambiente, por meio dos aparelhos sensoriais naturais, que dão informações sobre as cores e contornos, os ruídos e os sons, os cheiros, as formas e os sabores, onde cada sentido natural compreende um receptor sensível a uma excitação física específica, ou seja, à mudança de um estado físico particular e um circuito nervoso, que veicula a informação periférica para o cérebro que registra. O conhecimento do homem exige uma integração sintética dos progressos neurológicos. Nenhuma filosofia é concebível sem ter ultrapassado essa etapa. Philippe Meyer, a partir da leitura de um livro de Merleau-Ponty, L’oeil et l’esprit ( o olho e o espírito), publicado pela Gallimardo em 1964, iniciou a discussão sobre a subjetividade das percepções e os limites da ciência, como aparece no título de seu livro, o cérebro pode substituir o espírito graças aos notáveis avanços das neurociências. A complexidade e a variabilidade da organização cerebral são tais que um conhecimento objetivo do “real” parece inacessível. Interpretações individuais inevitáveis, que não param de crescer com o desvendar do cérebro, opõem-se à definição de normas e padrões.

b) estudo dos mecanismos visuais, que propicia a uma discussão sobre a oportunidade de uma alternativa materialista às concepções atualmente em vigor e sobre as possibilidades de persistência de teorias imateriais. O estudo da visão permite que nos interroguemos sobre a semelhança de um objeto em si, com o objeto visto. Ele é pretexto a essa reflexão epistemológica fundamental sobre o poder da ciência, que leva indiretamente ao do cérebro. O pensamento humano te3m limites singulares que correspondem ao do cérebro que o fabrica; ele está atado ao mundo físico que ele percebe e é incapaz de transcendê-lo para verdadeiramente ter acesso ao real. Os limites das neurociências explicam os das correntes filosóficas do pensamento ocidental propostas até agora para compreender a alma humana. Determinismo materialista de ordem físico-química, filosofias sensualista e comportamental levam ao desencantamento, porque seus conceitos se afastam da grandeza do cérebro humano. Essa reflexão sobre os mecanismos da visão humana convida a nos debruçarmos sobre essas pedras angulares da interrogação metafísica. O alto grau dos conhecimentos científicos o justifica.

c) Meio de propiciar uma filosofia que se baseia nas ciências da vida, uma biofilosofia, que procura situar o homem no mundo, pelo conhecimento dos mecanismos íntimos que sustentam a vida, contrária ao cientificismo, considerando a biologia moderna para meditar sobre as grandes incógnitas da condição humana (Philippe Meyer), onde a Filosofia Clinica, se mostra, nesse processo, segundo STRASSBURGER (2001:11 e 12): “no contexto da historicidade, como um filosofar comprometido com a vida e seus desdobramentos objetivos, nas múltiplas problemáticas em que se faz atuante com um sujeito que aparece como fruto de suas vivências e singularidade. O lugar da Clínica é o espaço da existência, das inter-relações que vão mostrando o homem empírico, contactualizado pela cultura e circunstâncias que se aparecem em seu dia-a-dia, elaborando e qualificando seu existir, espaço indeterminado do ser sujeito, na sua relação com o mundo. A propedêutica possibilita o acesso ao universo metodológico da filosofia que se faz clínica, propondo a reflexão acerca desta especialidade da filosófica clássica. O distanciamento da farmacologia e a fundamentação teórica própria perfazem uma caminhada peculiar dos filósofos clínicos”; e, PACKTER (2002: Apresentação) , expõem que “somos o que representamos de nós mesmos em nosso intelecto. (…) A Filosofia Clínica não está interessada em saúde e patologia, ainda que possa atuar aí. Sua busca é trabalhar com o ser humano em sua sorte de criatura. (…) Somos senhores de nós mesmos e escravos de nossa liberdade. É como nos diz Schopenhauer.(…) Logo, para poder viver entre os homens, temos que deixar que cada um exista e valha conforme a individualidade que recebeu (…). Cada pessoa é a medida de todas as coisas que têm relação a ela: ‘o mundo é representação minha”.

Assim, a filosofia encontra um modo novo de expressão que parecendo novo não é senão o “resgate da sua origem, libertação dos seus limites, recuperação dos seus direito de cidadania” (Sautet). Isto é, deixar de ser puramente abstrata e tornar-se também concreta, porque o problema dominante e central é o próprio homem, ou seja, a sua função, a sua vida, os seus destino. “É o homem concreto, esse que cada um de nós sente viver em si próprio e descobre nos outros” (ABBAGNANO, Nicola) . “É o homem como medida de todas as coisas“. (Protágoras). Aquele vivente que usufrui de si mesmo e também dos outros para viver harmonicamente.

A Filosofia Clínica através de métodos próprios põe a pessoa em contato com uma interioridade até então desconhecida. Por isso, ela pode ser definida como, “atividade filosófica aplicada à terapia do indivíduo”. A Filosofia Clínica trabalha junto com a pessoa para a identificação do que para ela é fundamental: organizando ou reorganizando, redefinindo, avaliando, esvaziando, enfatizando ou adicionando conteúdos.

“A filosofia é uma área (abordagem) terapêutica que trabalha os problemas existências das pessoas, partindo de seus dados históricos, da montagem da estrutura de pensamento das pessoas, e da verificação dos submodos que a pessoa utiliza na sua prática constante.” .

Em suma: A pessoa não é a sua Estrutura, mas o resultado das interseções que estabelece a partir dela, ao longo da existência.

A vida pode ser igual para todos, mas os modos como ela afeta a existência diverge conforme a estruturação do pensamento e as interseções tópicas.

Saber o modo como estruturamos os nossos modos de ser em relação á vida, ao mundo, e as pessoas, podem representar um ganho existencial importante.

A existência define se a partir das interseções, seja do todo em relação às partes, ou das partes em relação ao todo.

A análise da Estrutura significa um parecer sobre o todo a partir da historicidade da pessoa.

A Estrutura de uma pessoa é um produto de uma história vivida ou vivenciada pela própria pessoa.

O pensamento e a memória hoje

A dezena de bilhões de neurônios que constituem o cérebro humano funciona com modificações materiais perceptíveis. As zonas motora do cérebro, localizações cerebrais (dos módulos), entendidas como regiões do córtex que têm uma capacidade funcional particular, geneticamente transmitida, evidenciada por uma estimulação do meio ou pela aprendizagem, são compostas pelas justaposições de uma área principal, que recebe o essencial, a ossatura: de uma sensação, e de áreas secundárias, onde se inscrevem os pormenores e onde se organiza uma sensação completa. A integração de uma sensação para que se torne percepção é promovida por neurônios associativos, que garantem uma comunicação no interior da localização ou, à distância, com outros módulos.

O cérebro visual occipital, não funciona diferentemente, suas percepções carregam as marcas de todas as partes do cérebro.
Um pensamento é um processo dinâmico e estruturado da mente humano, que nasce geralmente de sensações, de percepções sensoriais ou sensitivas, de lembranças, de afetos e de emoções complexas, de conceitos ou de deduções anteriores.

d) Detecção do cérebro visual como registrador e integrador de múltiplos detalhes sensoriais. A neurofisiologia descobriu capacidades de detecção de eventos básicos de que a visão não tem consciência, em razão de sua globalidade; o que demonstra que após a análise da informação visual se segue uma notável atividade de síntese. A grande interrogação acerca dessas duas etapas da visão refere-se à sua reprodutibilidade de individuo para individuo.

O cérebro visual é organizado de acordo com uma hierarquia e uma especialização crescente: as informações complexas não são retiradas pela área visual primária, que somente se interessa por dados elementares, e ganham áreas visuais complementares quando ultrapassam certo patamar de dificuldade. Os traços visuais simples são extraídos pela primeira área visual encontrada, a saber, a área visual primária. As seguintes lidam com estímulos cada vez mais complicados, cujo reconhecimento exige um diálogo com outras funções cerebrais, usando de uma ampla rede neuranal associativa.

O cérebro visual é uma organização de atividade cognitiva superior, com configurações neuronais (patterns) constituídas ao redor de uma atividade funcional de dificuldade crescente. Num nível de sensação elementar, os neurônios da área cerebral visual são suficientes. No nível de uma sensação mais refinada, a edificação de uma imagem visual requer a cooperação de outras capacidades celebrais, da memória e da emoção, por exemplo, de certas localizações cerebrais especializadas num movimento; numa forma, no reconhecimento de uma curva, na representação do real por tentativa e erro. O estímulo visual não é senão um conjunto ordenado de fótons cuja imagem é construída por um circuito neuronal que envolve, em razão da experiência adquirida, diversas zonas especializadas do cérebro.

e) Análises fenotipia de percepção sensível (visual) – formal, estrutural e colorida, indicam que a sensação pura, vibração recebida de um mundo exterior em si, indeformável e inteligível, não corresponde a nada de que tenhamos experiência. Foi possível demonstrar que as sensações estão ligadas a relações e não as coisas absolutas, que percepções nascem dessas sensações por dupla interferência de influências exteriores que desinstrumentalizam os sentidos, e de interações mentais que lhes conferem particularidades fenotípicas imprevisíveis e não reprodutíveis.
Uma filosofia das sensações; por fim, implica que o pensamento humano derive delas por uma soma de adições, de preservação e de deduções. As formas dão lugar a sensações integradas, em que a visão de conjunto conta se não mais, pelo menos tanto quanto o acúmulo de sensações pontuais.

Uma sensação que não inaugura ou que não completa um conjunto já experimentado de sensações análogas ou complementares é menos forte do que uma sensação que possua essas propriedades, mesmo se as suas características gerais forem idênticas. As sensações são apenas dados finais de percepções condicionados pelo aprendizado, pela experiência anterior ou por uma nova inclinação. Elas podem impregnar a atividade cerebral intensamente, nessas circunstâncias. No caso inverso, seu impacto é pequeno, ou mesmo nulo. É um mecanismo eficaz que permite evitar a saturação do cérebro mediante estimulações sensíveis demasiadas numerosas. Um filtro, por assim dizer, que permite que o cérebro trabalhe conforme suas próprias escolhas (ou segundo exigências impostas), ao abrigo do ruído exterior. Uma organização que, em suma, se mantém por si mesma e funcionam por amplificação de dados de percepção finais presentes e anteriores. O inato aí convive bem com o adquirido, pois o conjunto neuronal evoca a interação de uma competência geneticamente transmitida em ressonância com excitações oriundas do meio ambiente, ou de experiências e de aprendizagem.

Convictos da validez de seus modelos, os neurocientistas prosseguem suas pesquisas no laboratório. Seguindo a mesma estratégia, ou seja, por afinamento das localizações cerebrais, compreensão dos questionamentos associativos e interpretação das transmissões neuronais, de seus desencadeamentos e de suas inibições.

Para Aristóteles: “Tudo o que está expresso no intelecto passou necessariamente pelos sentidos”. Descartes: “Deixa a derivação dos sentidos dar a verdade das coisas. David Hume, Berkeley, Locke e Pascal: vão advertir dos limites dos sentidos na construção do conhecimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando os mecanismos da visão como uma excelente ilustração das incoerências dos paradigmas de uma prática filosófica de cientista, individualizada, da concepção da filosofia – compreender pelo conhecimento – fundamento da alma prometéica ocidental, desde alguns séculos antes de Cristo (Tales de Mileto, Anaximandro e Anaxímenes), de Pascal e Leonardo da Vinci a Descartes e Leibniz; tornando-se século XX, autônomos sob a influência de homens mais preocupados em se refugiar na confortável história do pensamento humano do que em compreender os novos paradigmas da ciência, mergulharam na busca inesgotável das leis naturais, tendo como resultado uma cacofonia inaudível, cujos neurobiólogos radicalizaram seu reducionismo materialista, ao passo que os psicólogos e filósofos não podiam reconciliar as moléculas mesmo orgânicas, com sua ontologia, ignorou-se por uma diversidade fundamental de finalidades, de interrogações e de meios, contrapõem-se com cientistas que conseguem (guiram) descobrir as especificidades dos neurônios visuais; em contraste com pensadores que põem em dúvida a nossa capacidade de perceber um mundo em si, propiciou o nascimento , há pouco, de uma filosofia que se baseia nas ciências da vida, uma biofilosofia, que procura situar o homem no mundo, pelo conhecimento dos mecanismos íntimos que sustentam a vida, contrária ao cientificismo positivistas e dos empiristas lógicos do círculo de Viena.

A biofilosofia consiste simplesmente em considerar a biologia moderna para meditar sobre as grandes incógnitas das condições humanas.

Com as interrogações, deslumbramento e emoção, provocadas pelas neurociências, objetivando-se – o funcionamento do cérebro -, situa-se naturalmente no coração do debate filosófico, na superação da filosofia cientista, para um conhecimento do homem; numa integração sintética dos progressos neurológicos.

O olho e o cérebro originou-se na série de seminários de biofilosofia ministrados a jovens estudantes de medicina de primeiros e segundos anos, que hoje estão empenhados num pesado programa de ciências humanas e sociais. A complexidade e a variabilidade da organização cerebral são tais que um conhecimento objetivo do “real” parece inacessível. Interpretações individuais inevitáveis, que não param de crescer com o desvendar do cérebro, opõem à definição de normas e padrões.
Portanto, o cérebro humano (visual) é constituído de tal maneira que impõe uma marca pessoal à realidade, marcada de uma complexidade espantosa, constituindo-se dois véus que se contrapõem à sua percepção, um intrínseco e outro que ele mesmo traz consigo.

Na discussão e estudo percorrida a respeito dos mecanismos da visão, o pensamento, a memória e a linguagem, ressaltam a materialidade do funcionamento cerebral, ainda demasiadas vezes ignorada, certamente sob à influência de uma tradição espiritualista tenaz. Philippe Meyer, conclui que o raciocínio filosófico só pode ser levado adiante em base numa premissa materialista do cérebro, que elabora o conjunto da atividade do cérebro, não somente os controles que o cérebro – maquina exercem sobre a vida visceral, mas também as mais nobres funções, que são a consciência, o pensamento, a emoção e a percepção, comprovadas essa materialidade, pela descoberta das localizações cerebrais, ou seja, de uma tipografia funcional, pela evidenciação dos mecanismos físico-química da atividade nervosa e das variações concomitantes do fluxo sangüíneo regional, bem como pelas imprudências de Bergson.

Os novos mapas neuronais permitem uma adaptação a situações inéditas e a elaboração de novas formas perceptuais, uma capacidade de dominar um novo meio ambiente, podendo o cérebro visual interferir nas condições humanas das seguintes maneiras:

 Percepções, carregadas de marcas de todas as partes do cérebro;

 Pensamento, como um processo dinâmico e estruturado da mente humana, que nasce geralmente de sensações, de percepções sensoriais ou sensitivas, de lembranças, de afetos e de emoções complexas, de conceitos ou de deduções anteriores e/ou nascer de aparentemente nada, ou seja, talvez de um inconsciente;

 Aptidão do cérebro humano para categorizar sensações e receber bilhões de estímulos caóticos, diferentes de pessoa para pessoa e muitas vezes não identificáveis, garantindo a criação de um mundo perceptual e semântico próprio de cada indivíduo, de onde emergem o pensamento e a linguagem;

 Com o avanço cientifico contemporâneo que está ultrapassando o nível macroscópico da localização e já leva ao universo molecular da química;

 Pela memória (estudo cientifico), que é ao mesmo tempo guia e medida dos pensamentos e das percepções sensoriais, que não escapa à estratégia das neurociências em progresso. Há uma memória de curto prazo, processo reciclável, e uma memória de longo prazo, que não dependem dos mesmos mecanismos; uma memória explicita, (ou declarativa); memória verbalizável dos fatos e dos episódios, uma memória implícita (a não declarativa e não verbalizável), que remete ao conjunto das habilidades percpetivo-motoras e cognitivas adquiridas, bastante semelhante à memória hábito de Bergson (ele não procurou dotar as suas teses de sólidas raízes no “real’ para fortalecer a validade de seu a priori , sustenta que o cérebro pode conduzir uma ação, mas não tem nenhum poder de representação e nenhuma capacidade mnêmica, porque a memória é de natureza espiritual, cujas teses não resistiu à neurofisiologia e à psicofisiologia). Bergson limita o papel do cérebro a transmissor e divisor de movimento. O pensamento humano é um atributo de Deus, causa única. Mais recentemente,
identificou-se, uma memória episódica das informações contingenciais e uma memória semântica dos conhecimentos gerais de nosso saber;

 A ação (uma atividade) físico-química intensa acompanha as funções cognitivas cerebrais, derrubando a hipótese de que a memória seja de natureza espiritual e de que a memória cerebral se reduz a uma memória proprioceptiva;

 A área motora do cérebro é um vasto conjunto constituído de zonas distintas (primária, o córtex pré-motor, área motriz suplementar e o córtex parietal posterior), coordenadas, e que exercem atividades complementares;

 A representação mental da programação do movimento previa à sua execução ocorre sem manifestações na área motora primária, mas ativa as áreas motoras suplementares.

Portanto, a concepção de um cérebro, como órgão de ação sem capacidade de funcionar “tendo em vista o conhecimento” como a de Bérgson, é incompatível com os dados neurocientíficos contemporâneos: com efeito, a matéria cerebral está envolvida no processo mental.

Que os resultados das pesquisas de Philippe Meyer, propicia a verificação do cérebro visual, ao mesmo tempo como registrador e integrador de múltiplos detalhes sensoriais, onde a neurofisiologia descobriu capacidades de detecção de eventos básicos de que a visão não tem consciência, em razão de sua globalidade, o que demonstra que após a análise da informação visual se segue uma notável atividade de síntese, interrogável quanto à sua reprodutividade de individuo para indivíduo, apontando, diante da complexidade da fenomenologia, inicialmente para a originalidade do cérebro visual, cuja interferência nas condições humanas, poderá ser encontradas no processo organizacional dialético do cérebro visual (órgão sensitivos) e o indivíduo, na compreensão da realidade (contexto histórico humano), aas fenomenologia perceptiva (cores –acromatopsia (perda de visão das cores), em uma dupla essência: por um lado, estabilidade e relativa uniformidade, já que os desempenhos cerebrais são atributos de espécie: por outro, subjetividade e versatilidade; isso em razão das flutuações fenotípicas (ou seja, individuais), que nascem ao mesmo tempo de diferenças superficiais do programa genético comum e de influências adquiridas, ligadas ao meio e à aprendizagem. A geografia geral do cérebro visual segue uma ordem interna inata, mas as forças externas, eminentemente variáveis de individuo para individuo, podem confrontar-se com a homogeneidade de um programa de espécie.

ASPECTOS NEUROFISIOLOGICOS E CONDICIONAMENTO FÍSICOS-HUMANOS AMBIENTAL

A célula nervosa (neurônio) é considerada a unidade básica do Sistema Nervoso.

Tipicamente, o neurônio é constituído por um axônio (leva os dados do corpo celular adiante), um corpo celular e por dendrites (fibras que colhem dados dos neurônios e células da vizinhança).

Cada neurônio liga-se a, pelo menos, um outro neurônio; mas, em geral, as ligações são muitas. Os caminhos possíveis das transmissões de dados através da rede de neurônios é praticamente incontável.

Entre o axônio de uma célula e o dendrite de outra há um minúsculo espaço denominado sinapse. Ali existe o neurotransmissor, veículo que possibilita a passagem dos dados entre as células nervosas.

Temos células que recebem o calor, o toque, a luz e outros estímulos internos e externos: células receptoras.
Essas células (sensoriais) levam as informações ao Sistema Nervoso Central – que é composto pelo encéfalo e pela medula espinhal. O cérebro vai então processar os dados recebidos, vai juntá-los às informações que possui e vai tomar suas decisões (controla a circulação, a respiração, funções como o sono, as necessidades físicas; é o zelador do corpo).
A medula espinhal é uma espécie de prolongamento do cérebro. Protege o organismo através de reflexos rápidos (frear o carro que está em vias de bater em outro).

Como age o SNC?

Age por meio dos efetores (células motoras que controlam as glândulas, os músculos e os órgãos).

Bem, como os receptores e efetores localizam-se nas vizinhanças do SNC, ele os controla por pequenos e longos fios: os nervos. Daí a necessidade de um Sistema Nervoso Periférico, exatamente para incluir as peças do SN que estão vizinhas ao cérebro e à medula espinhal.

O Sistema Nervoso Periférico divide-se em dois:

Sistema Nervoso Somático (são os nervos que ligam o SNC aos receptores e aos músculos estriados, dando condições aos atos voluntários).
e
Sistema Nervoso Autônomo (contém nervos que ligam o SNC aos músculos involuntários – dando condições de controle aos músculos do coração e glândulas).

O Sistema Nervoso Autônomo se divide em Simpático (tipo ‘acelerador’, arranja recursos para a ação) e Parassimpático (tipo ‘freio’, atua quando a pessoa dorme ou relaxa).

Enquanto trabalha, o SN emite sinais elétricos que podem ser estudados pelo eletroencefalógrafo (EEG), aparelho que amplia e grava os sinais.

(Enc.Gl.)

Ora, mas como funciona essa rede de comunicação?

Cada neurônio precisa de um mínimo de estímulo para transmitir um impulso nervoso.

Quando recebemos um estímulo (um som, uma luz, um aroma que nos chega), as células nervosas receptoras “especializadas” conduzem a informação a determinadas áreas do cérebro.

Há uma resposta eletroquímica.

Depois disso, a substância transmissora é eliminada ou retorna ao neurônio.

Há duas categorias de neurotransmissores:
* Excitadores
* Inibidores

Por exemplo, suponha que eu bata com um pequeno martelo no seu joelho. Os neurônios sensoriais excitam as células nervosas vizinhas. O impulso nervoso vai pelo axônio do neurônio motor. O músculo se contrai e a perna mexe subitamente.

Os avisos de um problema orgânico no sistema nervoso nem sempre são evidentes.

Em geral, podemos saber a localização da lesão através das funções que foram afetadas.

Quando uma lesão afeta repentinamente o sistema nervoso e depois tende a se suavizar, é provável que se seja um problema vascular ou um traumatismo.

Já os tumores e as doenças degenerativas costumam apresentam um início insidioso e um avanço crescente.

No caso de esclerose múltipla, ocorrem melhoras e pioras sucessivas ao longo dos meses. Inflamações e infecções costumam aparecer e desaparecer quase sempre velozmente.

Ao existir uma lesão no córtex a pessoa pode apresentar paralisia de movimentos ou de toda uma parte do corpo, variação do tono, diminuição ou perda dos reflexos abdominais, convulsões epilépticas.

Quando a lesão ocorre no cerebelo, os efeitos costumam surgir apenas em um lado do corpo. Nesse caso, pode existir hipotonia muscular, distúrbios da postura, da marcha e do movimento; tremores, distúrbios da fala (lenta, desarticulada), distúrbios dos movimentos oculares.

Lesões no córtex sensitivo, no lobo parietal, podem levar a pessoa a estranhar partes de seu corpo ou simplesmente apagar qualquer possibilidade de ter sensação em vários locais.

Lesões cerebrais podem atingir também a linguagem. Na Disfasia, os aspectos simbólicos estão comprometidos. A pessoa pode pensar e não conseguir expressar, pode não entender instruções simples que lhe são passadas, ou pode articular de modo defeituoso a linguagem (disartria).

Havendo lesão no nervo óptico pode ocorrer perda da visão no olho atingido. Se a lesão atinge o córtex occipital, talvez ocorra hemianopsia (a pessoa vê somente a metade das coisas).

É também oportuno notar que problemas orgânicos na região pré-frontal podem ocasionar questões tipicamente psiquiátricas: a pessoa pode perder a capacidade de refletir sobre o que faz, fica apática ou eufórica, não consegue medir o alcance ético de suas ações, e a memória talvez também esteja comprometida.

Lesões localizadas no lobo parietal podem levar a desorientação espacial, apraxia (incapacidade para realizar certos movimentos), agnosia (não consegue reconhecer um objeto que era familiar).

No lobo occipital, lesões podem levar a alucinações visuais (luzes ou visão pela metade).

No lobo temporal, lesões conseguem originar alucinações auditivas, gustativas ou olfativas, além de promover interpretações falsas de dados sensoriais (ilusões).

Os neurotransmissores, cerca de 12 bem estudados, estão seguidamente sendo secretados, liberados, quebrados, articulados no corpo humano. Moléstias, fenômenos psíquicos, drogas podem alterar o volume dessas substâncias em certas áreas promovendo surpreendentes e inusitadas manifestações subjetivas e comportamentais.

Enquanto aumenta a capacidade de processar dados do ser humano, durante o crescimento, aumenta também o cérebro anterior (administra o pensamento, a memória, a fala, a análise de informações oriundas de todo o corpo, a satisfação das necessidades perenes como o sono, a temperatura, a defesa e a reprodução). O cérebro médio (administra certos dados sensoriais e alguns músculos) diminui, e o cérebro posterior (administra a circulação, a respiração, a digestão, o equilíbrio, os reflexos, as funções vitais) tende a permanecer do mesmo tamanho.

O córtex (significa “casca”) é quem nos dá condições de processar os dados. É a parte enrugada e repleta de dobras que aparece na superfície do cérebro.
Divide-se em dois hemisférios.

Cada hemisfério controla uma parte do corpo; o hemisfério esquerdo, a parte direita, e o hemisfério direito, a parte esquerda do corpo.

O córtex é subdividido em quatro lóbulos: frontal, na região da testa, (processa o planejamento de atividades complexas, a linguagem, interpretação, e certos impulsos motores precisos como os que são realizados na dança); parietais (processam dados referentes a administração da palavra e dados relativos à superfície do corpo: posição, temperatura, toques, movimento); temporais, logo acima das orelhas (processam dados auditivos); e occipitais, na parte posterior (recebem e processam os dados visuais).

No interior do segmento anterior do cérebro existe um conjunto de células denominado tálamo: é aí que se encontram as informações sensoriais que são enviadas à superfície do córtex. O tálamo participa também no sono e na vigília.

Existe no cérebro também o sistema límbico (significa “fronteira”): conjuntos de neurônios muito ligados entre eles mesmos. Esses conjuntos estão localizados exatamente nas fronteiras dos hemisférios cerebrais. Este sistema inclui o hipocampo, o septo, a amígdala, o giro cingulado, e partes do hipotálamo e do tálamo.

O sistema límbico está muito envolvido nas emoções e em determinadas atividades subjetivas humanas: sono, sede, fome, medo, hostilidade, brandura, sexo etc.

O hipotálamo (do tamanho de um grão de feijão) ocupa o centro geográfico desse sistema e tem função importantíssima.
Se você estiver com fome e com frio, ele age dando a sensação física da fome, e pode levar a ativação do sistema nervoso autônomo para amenizar a sensação do frio. É uma espécie de maestro. Age também no sistema endócrino (glândulas sem canaletas para secreção para fora do corpo; por isso, lançam o que secretam diretamente na corrente sangüínea: os hormônios).

O hormônio vai atingir células distantes e em qualquer região do organismo. Os hormônios atuam no crescimento, na sexualidade, na emotividade etc.

A pituitária está ligada ao hipotálamo que a comanda através de sinais químicos. A pituitária (ou hipófise) participa do crescimento, da pressão sangüínea, e de alterações na musculatura lisa em casos de urgência (no parto, estimula as contrações do útero).

BIBLIOGRAFIA
MEYER, Philippe. O olho e o cérebro: Biofilosofia da percepção visual. São Paulo: UNESP, 1997. Tradução do francês Lóeil et lê cerveau: Biophilosophie de La perception visualle, por Roberto Leal Ferreira.
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Cadernos de Filosofia Clinica. In: PAULO, Margarida Nichele. Primeiros passos em filosofia clínica, Vol. I. Coord. E Org. – Porto Alegre, Imprensa Livre, 1999 p. 19)
STRASSBURGER, Hélio, Prefácio. In: PACKTER, Lúcio. Filosofia Clínica. Florianópolis: Garapuru, 2001, p.11 e 12.
PACKTER, Lúcio. Apresentação. In: PAULO, Margarida Nichele. Compêndio de filosofia clínica, – Porto Alegre, Imprensa Livre, 2001, com inclusões adaptativas
Idem. Cadernos de Filosofia
AIUB, Monica. Sensorial e Abstrato: como avalia-lo em filosofia clínica. Santos-SP:APAFIC-Associação Paulista de Filosofia Clínica, 2000. Introdução pp.5-7.

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