Amsterdã
Enquanto você estiver lendo este texto, estarei com 35 filósofos e estudantes de Filosofia em algum café às margens de um dos canais de Amsterdã, Holanda, ou atravessando uma daquelas lindas e pequenas pontes entre as ilhotas da cidade. A cada ano reúno um grupo de alunos e colegas e faço uma jornada de estudos, vinhos e caminhadas em algum lugar do mundo. No ano passado, o destino escolhido foi a Grécia; neste ano, vamos da Holanda direto para Israel. Em 2011, talvez as colinas e lagos e aldeias da Escócia.
Viajar com um grupo de amigos, filósofos e colegas é uma oportunidade de verificar na convivência o que eles estudaram em minhas aulas. Há alunos que tiram 10 no papel, sabem tudo sobre a teoria, mas nada sabem da prática. Sabe aquela história do sujeito que conhece o Evangelho, gosta das escrituras, recomenda, porém sua vida prática é a própria antítese de suas afirmações? Uma convivência de duas semanas é uma oportunidade de exercitar a teoria.
A questão é que a teoria é às vezes a forma pela qual uma pessoa vive o mundo, toda sua prática se reduz ao corpo da teoria. Assim, Amsterdã está na pessoa antes das suaves ondas que os barcos fazem quando passam pelos canais sobre as pontes. Outras vezes ocorre da construção compartilhada entre a teoria e a prática, ajustes, conversações, adequações nas quais uma teoria e uma prática estabelecem relações; ora a prática avança sobre a teoria, ora o oposto, ora uma se desencontra da outra e, em alguns casos, há um aniquilamento: o assunto morre.
Ao revisitar a Holanda acabo com a impressão de que, ao ter uma jornada assim com os colegas, é a primeira vez que visito estes lugares. Mas é apenas uma impressão, não é um fato; o fato é que reconheço e relembro de um modo novo os antigos que me habitam. Isso acontece em Amsterdã, dia frio, final de outono. Navegamos suavemente pelos canais da cidade, conversamos no barco sobre os casarões, as pontes, as embarcações moradas junto às encostas dos canais.
Um colega lembrou que estávamos abaixo do nível do mar, mas o passar dos prédios, sólidos, contra o céu profundo não nos transmitia esta ideia.
As bicicletas e suas sinetas, por todas as vias, o anoitecer, logo nos alcançou. Tomamos um ônibus para o aeroporto, onde embarcaremos para Tel Aviv. Por várias razões, Tel Aviv me pareceu mais próxima do que o aeroporto de Amsterdã. Desde há muito tempo, Amsterdã, pelo modo de ser, me faz pensar ser mais longe do que qualquer outra cidade da Europa. Espinosa, seu monumento, no centro da cidade, a torna mais amigável a nós, mas não menos distante.
artigo publicado na edição 54 da revista Filosofia, da Editora Escala.