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Educação do Pensamento
artigo publicado na edição 53 da revista Filosofia, da Editora Escala.

Há quem divida as coisas de tal forma que o que é visível é educado, penteado, possui vida pública; os invisíveis da vida, como o pensamento, podem ser deixados aleatórios, soltos, selvagens em seus domínios, mal criados. Não é liberdade, é desleixo. Não é autonomia, é descuido. É negligência também. Mas isso somente se estende aos invisíveis. Quando o pensamento se torna visível, segundo a métrica de quem o divide assim, então imediatamente ele se torna educado e solícito, social, mostra urbanidade. O pensamento se torna visível quando a pessoa vai expor um assunto no qual acredita, por exemplo. Mas, ainda assim, em tal caso há dois pensamentos básicos: um é educado segundo os preceitos mais profundos da hipocrisia convencionada; o outro, sincero e desleixado, desmazelado e porco, não aparece.

Alguns que dividem as coisas desta forma, pelo próprio estilo alcoviteiro, oculto, esquivo com que moldam ao relento suas ideias, podem achar que têm neste pensamento subsidiado um aliado. Os motivos pelos quais alguns creem nisso vai da proteção que dão à má educação até certas cumplicidades que só são subscritas nas alcovas de porão, sem passagem para a luz.
Eis que um dia o sujeito está alquebrado pela vida, mal sucedido em suas empreitadas de vivente urbano. Precisa de forças, de amizade, de quem lhe dê tapinhas às costas. A parte que educou de seu pensamento vai tratar disso, marcará os exames cardio respiratórios, procurará amenidades e buscará os auxílios. A parte má educada pode incomodar com incriminações; tachar, inculpar, imputar faltas ela usualmente poderá fazer; e, como é aleatória, mimada, inexperiente em coisas que exigem educação, chutará para os vários lados, contra, a favor, nem sempre separando as coisas; pode se tornar intransigente, irritadiça e recorrente em suas constantes interferências no humor, na alma, na pouca alegria que ainda resta para viver.
O pensamento mal educado não é mau, é apenas mal educado. Ele se comporta como um filho que não recebeu instruções de urbanidade, não sabe respeitar um velho pai, nem a si mesmo, e quando tenta fazer isso é usual que tudo se passe ao contrário.
Por que não educar o pensamento, tal qual fazemos com a higiene, a alimentação? Educação rima com liberdade, com cabresto, com autonomia, com escravidão. Em alguns casos é até mais indicado um pensamento mal educado do que conceitos vitorianos; em alguns casos.

A educação do pensamento seguirá os indicativos do que é próprio, pertinente, peculiar a cada pessoa. Não existe aqui uma regra, mas uma intenção. Educar segundo o que está em movimento desde cedo. Por exemplo: um sujeito com propensão a artífice que vai lidar com ferro recebe instruções neste sentido, assim como uma pessoa dócil e inclinada kantianamente aos preceitos exatos receberá réguas e esquadros para desenhar seus conceitos.

Um trecho de um escrito de Amadeu Amaral como ilustração:
“Para um simples passageiro de bonde, as ideias são como os bilhetes de loterias: é preciso jogar em muitas, para ter probabilidade de acertar em alguma. E ainda o melhor é não acertar. Criar fama de rico é uma das mais graves maçadas que possam cair sobre quem não necessite de tanto numerário. Responsabilidade social muito pesada. Admiradores. Compromissos. Facadas, amabilidades, invejas, intrigas, amofinações… Que bom travesseiro, a pobreza! A mim, o que me fez sorrir diante do louva-a-deus foi o riso dos outros, tão saudavelmente natural e estúpido. E foi também o próprio louva-a-deus, natural e bobo como esse riso.”

artigo publicado na edição 53 da revista Filosofia, da Editora Escala.

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